ESPERO TER UMA DIMENSÃO POLÍTICA
Francisco Eduardo e Dinis Santos
Dentro do carro. Uma mão de cada vez no volante. A esquerda troca com a direita e assim em sucessão. Entre o telemóvel e a condução, de tempos a tempos, uma das mãos abana querendo dizer o que o Xico diz. Por vezes, mesmo não dizendo nada, a mão lá dá um abanico remexendo o ar.
Eu olho ouvindo. Já lá vão as aulas do 1º ano de pintura e ainda me acontece ter a sensação de poder fazer qualquer coisa grande. Recordo ainda com algum fascínio as lengalengas chatas do professor.“Ser em potência” - repetia várias vezes acerca dos exercícios de pintura que executávamos. E demorava-se explanando um livro, comprado na rua de Ceuta, de um qualquer autor reboscado publicado pela Antígona ou talvez pela Gallimard.
Continuo a ouvir o Xico que teima em querer fazer uma ilustração científica de um elefante à escala real. Chove no Porto, o limpa-pára-brisas não mexe e o vidro está embaciado. Os dois dentro do carro ouvimos tecnó de assobiar, esperamos orçamentos. Cedo à preguiça e digo sim à teimosia com a tal sensação.
Nos jornais, na televisão, na rádio e por vezes na net circulam as faces desconfiadas, orçamentos de estado e chuvas torrenciais. À noite entre os passos de dança e os cartões cheios diz-se mal disto e daquilo. A última vez que vi tanta gente junta foi em Lisboa na manifestação dos professores que entre os gritos entravam nas diversas Zaras da baixa.
Eu gostava, eu espero fazer algo com uma dimensão... política. Subprodutos: uma madeireira corta madeira. A sua actividade principal é cortar madeira, digamos produzir tábuas. Resultante deste processo surge o serrim que advém como um subproduto. Li isto num livro qualquer enquanto esperava.
Diz-me o Xico que isto está entregue aos bichos e que espera, tal como eu, ter uma dimensão política.
(inicio da música Sonata ao Luar de Beethoven - versão Marçal dos Campos)
23 de Fevereiro de 2010
Dinis Santos
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